terça-feira, 10 de março de 2015

FISCO DESMORALIZADO

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 10/03/2015 - A203
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O famoso escritor estadunidense Norman Mailer afirmou que nas democracias os políticos exercem a força pela ética. Da mesma forma, o Estado impõe determinações legítimas pela conduta imaculada dos seus membros. Ou seja, as ações dos governos democráticos precisam ser legitimadas pelos seus cidadãos; caso contrário, o regime se transforma em tirania, como por exemplo, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela ou Estado Islâmico. O governo brasileiro vive atualmente uma seríssima crise de legitimidade. A corrupção, tão sabida de todos, mas ao mesmo tempo amortecida por piadinhas de botequim, explodiu numa sequência interminável de bombas que não param de estourar no país inteiro, como se tivéssemos um réveillon de Copacabana pipocando 24 horas por dia em cima das nossas cabeças. O brasileiro há muito tempo parou de se indignar com a bandalheira dos homens públicos, não mais se incomodando com roubos, mentiras e impunidade. O problema é que os fatos escabrosos se tornaram tão volumosos que não conseguimos ter um pingo de sossego, por mais que tentemos fugir do bombardeio midiático. Consequência desse estado calamitoso, o ente público, em todas as suas facetas, instâncias e representações está inteirinho mergulhado na lama. Tudo é visto com desconfiança; não acreditamos mais em nada. E o pior que todo dia somos impactados com novas presepadas, como por exemplo, a malfadada Bolsa Patroa, evidência insofismável de que o poço da esculhambação não tem fundo (sempre é possível descer mais e mais).

Bem no meio desse pântano apodrecido encontra-se o Fisco, com suas mirabolantes engenharias confiscatórias prontas para ordenhar mais alguns litros de sangue do já anêmico contribuinte. Isso, sem contar o louco e impraticável universo das obrigações acessórias, cujas disparidades e profusões se expandem ao infinito. Para completar o pacote de maldades, o Fisco aponta sua completa artilharia na direção do pobre, deixando o rico livre dos impostos. Toda a monstruosidade tecnológica dos controles fiscais tem como único alvo os tributos indiretos e daqui a alguns meses, o trabalhador empregado através do eSocial. Os instrumentos eficientes de arrecadação do imposto de renda estão todos direcionados para o salário do trabalhador empregado; uma louvável eficiência de 100%. Quanto ao IR das empresas, a coisa muda completamente de figura. A eficiência beira zero por cento, uma vez que são infinitas as possibilidades de sonegação, ao mesmo tempo em que a capacidade de fiscalização é minúscula por insuficiência de pessoal. No caso dos empregados, cada patrão é um primoroso auditor da Receita Federal. Resumo da ópera, o imposto do empregado é calculado direitinho. Quanto ao imposto patronal, parte expressiva dos pequenos empreendimentos simplesmente não paga, e as grandes organizações econômicas acionam advogados e lobistas para fugir da tributação.

Enquanto o SPED FISCAL tem mostrado uma impressionante eficiência, o conflito Contabilidade Fiscal versus Contabilidade Societária vem se arrastando desde 2008 sem que as soluções propostas tenham mostrado um décimo da eficiência do SPED FISCAL. Por último, a tal da ECF chega, trazendo a promessa de pacificar tais dicotomias. O problema é que sistema nenhum vai impedir as grandes corporações de sonegar monumentais quantias de impostos. O fato inquestionável de que isso é verdadeiro está na composição do nosso bolo arrecadatório. Enquanto no Canadá o imposto de renda participa com 47%, aqui no Brasil é somente 21%, sendo que grande peso desse montante vem do bolso do assalariado. Por outro lado, nos Estados Unidos os tributos sobre consumo participam com 18% no bolo arrecadatório, enquanto que no Brasil a participação é de quase 50%. Ou seja, o alvo do governo é o consumo em detrimento da renda. Precisamente, a renda dos ricos. Quanto à renda do assalariado, essa é alvo de artilharia pesada. Resumindo, o nosso sistema arrecadatório é regressivo, em contraposição ao regime progressivo dos americanos. Trocando em miúdos, o favelado que compra um pacote de biscoito suporta a mesma carga tributária do magnata. O pobre sofre calado; o pobre não tem advogados caros. Por isso o governo prefere atacar os pobres com seu sistema regressivo de tributação.

Pois é... Com tanta podridão jorrando no ventilador, o Fisco faz cara de paisagem, e, alheio aos acontecimentos sismológicos segue seu discurso de conferir eficiência à máquina arrecadatória através de constantes e sistemáticos apertos no cinto do contribuinte (o de fato). A última do governo foi a majoração estratosférica do sistema de desoneração da folha de pagamento, instituído justamente com a promessa de amenização da carga tributária. Como é sabido de todos, o objetivo desse sistema foi combater o tal fenômeno da pejotização. Agora, a intenção embusteira ficou escandalosamente evidenciada.

Os governos gastadores e corruptos baixam o cacete nos seus secretários de fazenda para que eles deem seus pulos, se virem, e encontrem meios (legais ou ilegais) de aumentar a arrecadação. A saída para a crise financeira é sempre a mesma: aumentar impostos, cortar investimentos na saúde etc. A verdadeira fonte da sangria dos cofres públicos se mantém intocada: mordomias, viagens, corrupção, publicidade, estruturas burocráticas desnecessárias, cargos de confiança etc. Somente na administração federal existem mais de 20 mil cargos de confiança, enquanto que nos EUA são somente 5.500. A Alemanha inteira conta com somente 2.000. No nosso caso, se a conta envolver as administrações estaduais e municipais os tais 20.000 são multiplicados pela quantidade de unidades estaduais e municipais. São milhões de funcionários públicos sem concurso ganhando sem trabalhar (salários altíssimos). Quanto à corrupção, essa não pára um minuto sequer. Não há escândalo que impeça os funcionários públicos de continuarem roubando descaradamente. Por isso é que as administrações fazendárias têm que trabalhar dobrado para manter toda essa bandalheira. O problema é que o Fisco perdeu sua legitimidade, uma vez que todos sabem para onde vai o dinheiro arrecadado. E se não existe legitimidade, consequentemente já vivemos uma tirania velada. E o Fisco há muito tempo sabe disso. Por esse motivo é que suas ações são sempre carregadas de muita agressividade, ameaças, intimidações e achaques. Quem passa o dia peregrinando nos plantões fiscais da vida sabe muito bem o que é isso. Cada um desses descascadores de burocracia tem histórias tenebrosas pra contar (histórias de abuso de autoridade do Fisco).


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