terça-feira, 8 de julho de 2014

A quem interessa um sistema injusto?


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 08/07/2014 - A177

No ano passado o governo aprontou mais uma das suas lambanças ao publicar a Instrução Normativa 1397, que obrigaria meio mundo de grandes empresas a reabrir seus últimos balanços. O objetivo da medida era identificar dividendos supostamente distribuídos em excesso por conta de um imbróglio jurídico criado pelo próprio fisco federal. As consequências dessa insensatez seria um terremoto a sacudir mais ainda a combalida imagem do Brasil nos mercados internacionais, onde somos vistos com desconfiança por causa da famigerada insegurança jurídica. Diante de tamanha esdruxulosidade, as grandes empresas reagiram prontamente, forçando o governo a engavetar a diabólica IN 1397 num curtíssimo espaço de tempo. Um fato curioso nessa história toda foi constatar o poder de fogo dos grandes grupos empresariais sobre a administração pública. Isso significa que tais grupos são coniventes com os desmandos e com as injustiças da legislação tributária, desde que o prejuízo fique com os outros. Antes do caso IN 1397, muita gente desinformada poderia acreditar que o lombo de todo mundo estava ao alcance das chibatadas do Fisco. O caso da IN 1397 quebrou esse paradigma ao revelar um ambiente fiscal ajustado aos interesses de grupos específicos.

Interessante, é observar a barulheira em torno da pesada carga tributária e das maluquices normativas do governo. Mas, se examinarmos a questão atentamente será possível constatar que o alvo da taxação é frequentemente o imenso contingente de pessoas desprovidas de poder e de influência, tal como o empregado que tem os impostos retidos pelo empregador ou o microempresário desprovido de recursos suficientes para contratar um tributarista superstar. Ou então o cidadão comum que ao consumir um pacote de biscoito, antes experimenta o sabor amargo de vários impostos acomodados na embalagem do produto. A prova cabal e irrefutável desse modelo regressivo de tributação está nos números comparativos do Brasil frente a outros países. Enquanto que aqui o imposto de renda contribui com 21% do bolo arrecadatório, nos EUA o percentual é de 44%; e no Canadá é de 47%. Quanto aos tributos sobre consumo, a fatia do bolo arrecadatório americano é de 18%, enquanto que no Brasil é de 44%. Nesse quesito, a Argentina é pior, com 52%. Ou seja, a taxação sobre consumo é uma característica marcante de governos dominados pelo poder econômico (governos fracos). O motivo da baixa participação do imposto de renda no nosso bolo arrecadatório é muito simples. Quanto maior a empresa, maiores são as possiblidades de escapar da tributação. Basta explorar as infinitas brechas propositadamente deixadas na lei, cujo mapeamento de tais fragilidades só é compreensível aos advogados superstar. Outra constatação do nosso deformado sistema tributário que protege o rico e ataca o pobre está num levantamento da Ernst & Young, onde mostra que enquanto no Brasil a taxação sobre heranças e doações é em média de 3,86% sobre o valor herdado, na Inglaterra é de 40%, no Japão 50% e na França pode chegar até 60%.

Com o direcionamento do governo sendo fortemente influenciado pelos interesses dos grandes grupos econômicos, a tendência do Fisco é continuar atuando no varejo com o seu mirabolante projeto SPED, deixando de lado o imposto de renda. Os conglomerados econômicos pouco se importam com as majorações de tributos sobre consumo, visto que tudo é repassado para o preço do produto. Traduzindo: quem paga o pato é sempre o consumidor. E enquanto o governo estiver perseguindo o consumidor, a indústria e o atacadista terão seus rendimentos próprios fora da alça de mira do Fisco.

Nesse momento, praticamente 100% dos esforços da Receita Federal estão concentrados na parte mais fraca do poder econômico, que são os trabalhadores. O objetivo do eSocial é fortalecer a arrecadação previdenciária e ao mesmo tempo estancar o sangramento decorrente das fraudes no programa do Seguro Desemprego e no FGTS. Ou seja, o primeiro grande alvo foi o simples consumidor e agora quem está na alça de mira é o empregado. Pergunta-se então quando e se um dia o governo vai ter coragem de envidar esforços semelhantes para atuar na tributação do imposto de renda das empresas do regime Lucro Real. Melhor ainda, será que um dia teremos um modelo arrecadatório parecido com o canadense? Talvez nunca.



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