terça-feira, 8 de abril de 2014

RENASCIMENTO DA CONTABILIDADE


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 08/04/2014 - A165

Depois de muita especulação e expectativa, por fim, a Receita Federal estabeleceu a obrigatoriedade da Escrituração Contábil Digital (ECD) para as empresas tributadas com base no lucro presumido em relação aos fatos contábeis ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2014, conforme disposições contidas na Instrução Normativa RFB 1.420, de 19/12/2013 (Inciso II, Artigo 3º). A regra alcança somente aquelas pessoas jurídicas que distribuírem, a título de lucros, sem incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), parcela dos lucros ou dividendos superior ao valor da base de cálculo do Imposto, diminuída de todos os impostos e contribuições a que estiver sujeita. Trocando em miúdos, só escapa da ECD quem fizer uma distribuição bem pequena de dividendos. Na prática, na prática, mesmo, todas essas empresas foram apanhadas pelo SPED Contábil. Isso significa que nesse exato momento as escriturações contábeis já devem está em plena atividade. Infelizmente, é provável que a maioria das empresas do lucro presumido nunca tenha escriturado contabilmente as suas operações financeiras e patrimoniais.

Há uma interpretação distorcida do parágrafo único, do artigo 527, do Decreto 3.000/1999 (RIR), que muito claramente diz que a escrituração contábil não deve ser mantida por empresa do lucro presumido que utilize Livro Caixa para efetuar seus registros financeiros. Na realidade, há um tom impositivo nesse parágrafo único, como se a escrituração contábil dessas empresas fosse proibida. Isso contraria frontalmente o artigo 1.179 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), que diz o seguinte: “O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico”. Ou seja, a Receita Federal não possui competência nenhuma para definir regras contábeis, mesmo que por décadas tenha criado muitas normas vinculadas a procedimentos da contabilidade. Essa interferência perniciosa na técnica contábil enviesou a cabeça dos contadores de tal forma que eles passaram a olhar tudo com óculos fiscalistas, esquecendo assim a finalidade primordial do achado de Luca Pacioli, que é o registro e controle dos fenômenos patrimoniais. Por isso é que a maioria das empresas do lucro presumido não possui escrituração contábil. É bom frisar que a ausência de escrituração contábil pode ser interpretada como fraude em casos de demandas societárias.

Pode-se inferir que há um conflito normativo entre a IN 1.420 e o Decreto 3.000, dado que uma exige e o outro dispensa a escrituração contábil. Mesmo assim, há de se reconhecer que a IN 1.420 vem reparar o desserviço prestado à classe contabilista, que finalmente será obrigada a exercer o seu ofício. Agora, é preciso fazer e fazer bem feito, visto que a escrituração contábil passará por uma crítica implacável do validador eletrônico da ECD. E mesmo que passe pelo filtro do validador a escrituração ficará sujeita a outras análises eletrônicas mais criteriosas. O problema seguinte é que muitos profissionais vem há anos lidando somente com assuntos fiscais e trabalhistas de seus clientes. As instituições de nível superior ensinam muito pouco. Depois de formado, o profissional da contabilidade não vinha fazendo contabilidade e, portanto esqueceu esse pouco que aprendeu. O pior é que a retomada do exercício da escrituração contábil aconteceu de forma brusca e num alto nível de exigência técnica e tecnológica, visto que estamos em pleno processo de adesão aos padrões internacionais de contabilidade, com muitas interpretações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis já convertidas em regras pelo Conselho Federal de Contabilidade. E essas ditas regras atualizadas não são fáceis de digerir. Fora isso, estamos envolvidos num rebuliço violento promovido pela MP 627/2013, a qual está tentando ajustar as regras do imposto de renda ao novo ambiente contábil. E para completar o pacote de novidades, a IN RFB 1.422/2013 estabeleceu a Escrituração Contábil Fiscal para todas as empresas, com exceção daquelas regidas pelo SIMPLES, de que trata a LC 123/2006. Portanto, há um pratão de angu seco para ser engolido.

Pois é. De qualquer forma, e pela graça dos céus, finalmente a contabilidade está renascendo. Antigamente, bem antigamente, até as empresas minúsculas tinham suas escriturações contábeis bonitinhas, manuscritas, encadernadas em livros pesados; ou então mecanografadas em geringonças eletrônicas. Depois, veio a modernidade do computador acompanhada da Receita Federal para avacalhar a ciência contábil. É bom mesmo que a RFB baixe o cacete naqueles que não entregarem a ECD. Quem sabe assim todo tipo de empresa volte a ter seus processos financeiros e patrimoniais registrados adequadamente pela melhor técnica contábil. E a Contabilidade tenha o seu devido valor reconhecido pela sociedade. 


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