terça-feira, 31 de dezembro de 2013

365 OPORTUNIDADES DE MUDANÇA



















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 31/12/2013 - A151

O seu José abriu um modesto restaurante numa ponta de rua dum bairro de periferia. Enquanto a esposa cozinhava ele cuidava do atendimento da clientela. O tempo passou, os negócios prosperaram e assim foi possível melhorar a estrutura e até mesmo contratar vários funcionários. Foi preciso também alugar o prédio vizinho para atender a crescente demanda de bocas famintas atraídas pela qualidade das refeições servidas a preço popular. Tudo ia bem até o dia que o empresário José resolveu formalizar o seu negócio. De início, o contador lhe apresentou uma lista imensa de procedimentos, documentos e certidões que seriam necessários para regularização da empresa. Cada etapa cumprida do calvário burocrático consumia tanto dinheiro que depois de alguns meses já havia uma parede cheia de certificados e alvarás oriundos de dezenas de órgãos estaduais, federais e municipais. O orgulho inicial de possuir um CNPJ foi substituído pelo desespero de ver impostos e despesas burocráticas consumir toda a receita do restaurante. O seu José descobriu que para pagar tudo quanto é taxação seria preciso dobrar o preço da refeição, o que fatalmente afastaria seus clientes. A coisa foi piorando até o dia que a justiça do trabalho aplicou uma multa tão alta que o restaurante fechou, deixando várias pessoas desempregadas. Quanto aos clientes contumazes, estes não encontraram mais na região uma comida tão gostosa. Resumindo, a burocracia matou o espírito empreendedor do seu José porque ele quis fazer tudo certinho.

Já há muito tempo ferve a discussão em torno da exacerbação da burocracia governamental. Hoje, pagar o imposto deixou de ser o problema principal. O que assombra todo mundo é universo infinito e indecifrável das obrigações acessórias, cujas insanidades revelam um país afeito a uma mescla de devaneio com esquizofrenia, como se os burocratas tivessem saído de um quadro do pintor catalão Salvador Dalí. Parece que algum espírito perturbado baixa no momento da composição das peças legislativo-tributárias. Se não for nada disso, há então um motivo tenebroso por trás de tantas esquisitices.

O aspecto mais curioso da nossa legislação tributária é que determinada coisa nasce de uma forma e com o passar do tempo os burocratas mexem tanto nela que o resultado é o avesso do formato original. A representação mais emblemática dessa alquimia é o ICMS, cujo FATO GERADOR, que por muitos anos foi a venda, agora é a compra da mercadoria. Ou seja, o ICMS Substituição Tributária é um tributo incidente sobre compras e não sobre vendas. Mas o ente tributante insiste em classificá-lo como imposto sobre circulação (venda) de mercadorias. O próprio conceito “FATO” GERADOR sofreu um revestrés tão violento nos diversos cânones tributários que só um filósofo especialista em Kant seria capaz de encontrar algum aspecto lógico no raciocínio do legislador. O dicionário Aurélio diz que FATO significa coisa ou ação feita. Pois bem!! Na modalidade Substituição Tributária do ICMS não existe FATO porque a ação não foi efetivada. Isto é, a venda não aconteceu. O que a legislação chama de FATO é na realidade uma HIPÓTESE. Dessa forma, o termo “'FATO' GERADOR” deveria ser banido do mundaréu de legislações Brasil afora.

Na realidade, existe um fato gerador por trás de cada tributo. Sendo assim, por que então o legislador não se atém ao fato? Se o fato gerador do tributo são as compras, por que então não nominá-lo Imposto Sobre Compras de Mercadorias? Para que tanto imposto e tanta burocracia orbitando os produtos de consumo? Por que não acabar com a monstruosidade burocrática do ICMS e instituir um único imposto cobrado por ocasião da entrada de produtos no estado? (Algo semelhante ao modelo adotado no Acre). Sabemos que a estrutura tributária se tornou um monstro bestial de infinitas cabeças enroscadas umas nas outras. Mesmo assim, os representantes do poder econômico deveriam atacar o câncer da burocracia e seus respectivos burocratas porras-loucas para desatar os nós que amarram a economia do país. Teremos 365 oportunidades em 2014 para promover a mudança.

A burocracia é o instrumento fomentador de incomensuráveis cargos e exorbitantes gastos públicos. Se, por exemplo, o ICMS fosse cobrado somente sobre as compras, aproximadamente dois terços dos funcionários da SEFAZ ficariam sem ter o que fazer. E as empresas veriam seu custo administrativo-tributário despencar. O problema é que a coisa não pode ser fácil nem racional. Sem a confusão burocrática como ficaria a corrupção que sustenta os esquemas políticos? E sem os recursos oriundos da corrupção a governabilidade estaria seriamente ameaçada.



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