quarta-feira, 29 de maio de 2013

ARTIGO POLÊMICO


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28/05/2013 - A124

A tributação de Pis/Cofins na Zona Franca de Manaus é objeto de uma discussão que se arrasta por muitos anos. É fato sabido de todos que mercadorias enviadas para a ZFM a partir dos outros estados brasileiros são desoneradas na origem, o que implica no não recolhimento desses dois tributos ao erário federal. Quanto a isso não há discordância. O epicentro da discussão está no artigo 4º, do Decreto Lei 288/1967, que regulamentou a ZFM, o qual contém o seguinte teor: “A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro”.

Esse dispositivo legal é objeto de interpretações antagônicas que frequentemente se colidem sem que até o momento tenhamos chegado a um entendimento unificado e pacífico sobre o assunto. Talvez, porque o alto volume de dinheiro envolvido na questão tenha o poder de mobilizar duas forças poderosas: de um lado, a imensa gama de contribuintes da ZFM e do outro, a Receita Federal do Brasil. Para se ter uma ideia do tamanho da contenda, a arrecadação de Pis/Cofins no estado do Amazonas em 2012 atingiu a cifra de R$ 4,3 bilhões. Como a representatividade do interior é pequena no bolo arrecadatório, deduzimos que o percentual altíssimo dessas contribuições está concentrado na capital.

A tese arguida pelo contribuinte é que o DL 288/67 menciona a ZFM como destino de mercadoria para que a operação seja equiparada a uma exportação para o estrangeiro, não estabelecendo condicionantes relacionadas ao fato de a mercadoria ser remetida de uma empresa localizada fora ou dentro da ZFM. Assim, as vendas ocorridas no âmbito da ZFM para adquirentes da mesma localidade seriam enquadradas no artigo 4º do supracitado decreto lei.

Exportação de mercadorias para o exterior são isentas de Pis/Cofins, conforme disposições contidas na legislação em vigor: Medida Provisória 2158-35/2001 (artigo 14º, inciso II, parágrafo 1º); Lei 10833/2003 (artigo 6º, inciso I); Lei 10637/2002 (artigo 5º, inciso I).

O encontro dos dispositivos legais até aqui mencionados leva à conclusão de que o grande volume de dinheiro recolhido à título de Pis/Cofins pelas empresas comerciais e industriais da ZFM é indevido. O argumento justificador da cobrança tributária utilizado pela Receita Federal é que as disposições contidas no DL 288/67 são aplicáveis à legislação em vigor na época da sua edição, quando não existia Pis/Cofins. Novamente, o contribuinte se defende evocando a expressão “constantes da legislação em vigor” que está lá no polêmico artigo 4º do DL 288/67. Ou seja, o legislador teve o cuidado de aplicar a vacina da atemporalidade nesse polêmico artigo.

A coisa não é simples. Mesmo assim, alguns contribuintes obtiveram vitórias significativas. O caso mais emblemático é o da Samsung, que vem encorajando muita gente a sair da concha e também lutar pela prevalência da lei. Se fôssemos mais aguerridos, orquestraríamos um grande movimento envolvendo empresários e políticos para pressionar o Congresso e fazer valer a isenção de Pis/Cofins na Zona Franca de Manaus.

O nosso crônico problema é que, do alto do poder imperial de fazer valer sua vontade, a Receita Federal costuma trazer o que bem entender para o campo da incidência tributária. Outro fato preocupante que ocorre com frequência no Brasil é o desrespeito aos preceitos legais estabelecidos, o que reforça a nossa tão enraizada e tão ostensiva insegurança jurídica. Como bem destacou o Ministro Joaquim Barbosa, o legislador é um pau mandado do poder executivo. E o preparo das nossas leis é terrivelmente pior que as salsichas do chanceler alemão Otto von Bismarck, onde assuntos díspares são costumeiramente agregados a um tema central. A despeito do que é legal ou não, o que sempre prevalece é a conveniência e a vontade de quem governa. O absurdo do absurdo torna-se norma constitucional, como aconteceu com a Emenda Constitucional nº 3, que esfrangalhou o consagrado princípio do Fato Gerador do Tributo para legalizar a substituição tributária. Dessa forma, nenhum princípio vale; tudo pode ser mudado de uma hora para a outra. No Brasil, diariamente, leis são quebradas e contratos são rasgados sem o menor pudor. O preço dessa insanidade são os péssimos indicadores socioeconômicos que nada combinam com um país tão rico. 




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