terça-feira, 19 de março de 2013

Organizações Humanas Demandam Controle


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 19/03/2013 - A114

“O Príncipe”, de Maquiavel, além de ter alargado o campo da ciência política, prestou um grande serviço à humanidade ao desconstruir o caráter divino da alma humana. Descobrimos que, na realidade, somos um animal que mata e come outros animais, que mata indivíduos da própria espécie; enfim, que comete atrocidades infinitamente maiores do que qualquer outro animal dito irracional. Ou seja, impulsividade e perversão estão fortemente marcadas no nosso DNA. Essas constatações nos desagradam profundamente e por esse motivo construímos vastas e complexas teorias para sustentar um ideal de transcendência cujo objetivo é nos convencer da nossa essência divina. Isto é, o homem, por natureza é puro, abnegado e altruísta, sendo a maldade coisa do diabo. De posse dessa bagagem conceitual, deixamos a nossa vizinhança da selva e fomos para as cidades onde criamos regras de convivência com um forte conteúdo punitivo, justamente e paradoxalmente, porque na prática sabemos que a maior ameaça à vida do ser humano vem justamente de outro ser humano. Há quem diga que o diabo é muito otimista por achar que pode tornar uma pessoa pior do que ela já é.

O nosso sistema socializatório introjetou na alma humana arquétipos das mais variadas formas e assim, meio que imprudentemente engolimos tudo sem ao menos perceber se é doce ou salgado. O resultado desse processo são dogmatismos que nos fazem acreditar que determinadas pessoas estão imunes a desvios de conduta simplesmente por usarem determinada indumentária ou ocuparem determinadas posições sociais.

Por sorte, a sociedade está amadurecendo e esse amadurecimento vem acompanhado de imensas frustrações, justamente por demolir nossos ídolos e nossas crenças. Naturalmente, sabemos que essa reflexão pode nos colocar num estado de abandono, visto que nossos sustentáculos antes sólidos começam a afundar no pântano da fria e desoladora verdade. É o efeito da pílula vermelha que Neo engoliu. Mesmo assim, é preferível a conhecer a verdade (a verdade vos libertará).

Um emblemático exemplo desse estado de coisas é a crise moral e institucional em que está mergulhada a igreja católica. Antes disso já havia uma escarnecedora desmoralização de boa parte das igrejas evangélicas, que se tornaram símbolo de grosseiras pilantragens, cujo único e adorado deus é o dinheiro. Em algumas delas o assunto dinheiro se faz presente de ponta a ponta e em cada etapa da cerimônia religiosa. E pipoca na internet todo tipo de notícia sobre atrocidades cometidas por pastores evangélicos. Quanto à igreja católica, sabe-se que ela tem uma imensa ficha corrida que mancha sobremaneira seu caráter de santidade, que por séculos e séculos se manteve fora do alcance do grande público. Agora, com o mundo todo conectado 24 horas por dia, constatou-se que desmandos tão comuns ao ambiente laico de conchavos, corrupção e perversidades também, e igualmente, permeia as entranhas do Vaticano. São escândalos sexuais, financeiros, políticos etc. Ou seja, aqueles homens santos que habitam a sacrossanta sede do catolicismo são tão homens e tão sujeitos aos mesmos desvios que qualquer outro homem de qualquer outro tipo de organização humana. 

Deste modo, conclui-se que todo tipo de organização humana só cumpre seus objetivos se for rigorosamente controlada e de forma que não haja espaço para obscuridades. Isso vale para organizações mercantis ou não, e principalmente para as entidades públicas. Ou seja, todo cargo, toda incumbência, toda gestão, toda e qualquer atividade feita por um ser humano deve ser passível de adequado monitoramento. É atribuída ao megainvestidor Warren Buffett a máxima “Honestidade é um presente muito caro. Não espere isso de pessoas baratas”. Pode ser um pensamento cruel, mas não se pode negar seu caráter pragmático. Não raro, ocorrem situações de pessoas absolutamente impolutas que surpreendem a todos por sérios desvios de conduta. Controle, então, deve estar na ordem do dia. Eficientes sistemas de controle empresariais podem custar caro, mas ainda assim são mais baratos que sangramentos e dilapidações patrimoniais.

Pensar e investir em inteligentes mecanismos de controle deveria ser uma atitude contumaz dos executivos empresariais. Rever constantemente o desenho dos processos organizacionais deveria ser um hábito mais presente nas organizações, visto que há uma tendência natural dos vícios organizacionais se sobreporem à gestão. Além disso, tais vícios costumam adquirir vida própria e desvirtuar os objetivos inicialmente definidos. Assim, deve-se compreender o ser humano na sua crueza e plenitude para saber lidar com ele. Mas, claro, sempre colocando o respeito em primeiro lugar.




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