terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O SUJO E O MAL LAVADO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 11/12/2012 - A104
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A Lei n° 4.729/1965 tipifica o crime de sonegação fiscal, assim como estabelece penalidade de prisão para os seus infratores. O mesmo tipo de punição é previsto às pessoas enquadradas na Lei n° 8.137/1995, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. A mesma legislação que fixa é a mesma que abranda e até inviabiliza o seu efetivo cumprimento. A análise de tantos dispositivos legais relacionados a esse assunto leva o sonegador contumaz a deduzir que vale a pena continuar sonegando, visto que a possibilidade de passar dez anos numa prisão simplesmente não existe de forma nenhuma. Então, sonegar e sonegar muito; estufar o colchão de dinheiro à custa dos impostos sonegados é um excelente investimento. Se por um golpe do destino ou em caso de remotíssima possibilidade o infrator for alvo de um processo implacável da Justiça, a consequência final, depois de vinte anos de trâmite processual nas infindáveis varas e depois de infinitos recursos que a lei ampara, será a distribuição de míseras cestas básicas aos miseráveis esquecidos nos esgotos da vida. Então, pra quê se preocupar? Pelo milagre de Deus temos legisladores maravilhosos, de coração condescendente, que de forma alguma toleram a ideia de mandar um sonegador para a prisão. Ou seja, toda a maçaroca de legislações conflitantes acaba dizendo de forma cristalina que no nosso país o crime compensa, sim. E a lei está aí, sempre pronta para abrigar o sonegador sob suas aconchegantes asas.

Vez por outra entra em cartaz a ópera bufa “operação isso” ou então “operação aquilo”, sempre cercada de estardalhaço espalhafatoso pelos vários canais midiáticos. Essa estratégia é sempre utilizada toda vez que o povo começa a se saturar da bandidagem entranhada até o osso da nação. Sendo assim, o alvoroço inicial vai aos poucos sendo substituído por uma gradual e densa nuvem de amnésia que por fim bloqueia totalmente a luz da verdade. O Arnaldo Jabor disse dias atrás que a corrupção brasileira não é um fenômeno localizado aqui e ali (trilhões de localizações). A corrupção é um sistema. É como se houvesse um país por cima do outro. É como se o sangue das veias do Brasil já tivesse sido integralmente substituído pela corrupção. É como se a alma do povo brasileiro já tivesse sido integralmente consumida pela corrupção.

Em ambas as faces da mesma moeda figuram o sonegador e o corrupto. O primeiro sonega sob o pretexto de que o dinheiro entregue ao Fisco escorre direto para o esgoto da corrupção. Já o segundo acusa o sonegador de ser responsável pela falta de investimento nos setores-chave da economia. Entre esses dois protagonistas figuram os apagados coadjuvantes que se empenham na promoção de campanhas contra a sonegação fiscal. Na realidade, pode se observar uma aura de constrangimento nessas campanhas, visto ser difícil incutir na cabeça de alguém o belíssimo ideal de responsabilidade social quando todos sabem que o dinheiro dos impostos só serve mesmo para sustentar um sistema corrupto extremamente capilarizado. E o pior de tudo é que por mais que nos esforcemos, não conseguimos capturar um mínimo sinal de ação efetiva de combate à corrupção. Assim, toda proposta pretensamente séria de combate à corrupção chega aos nossos ouvidos tão contaminada de demagogia, que a orelha fica repleta de brotoejas. Pode até soar injusto e leviano, mas é muito, muito difícil olhar para um político sem ver nele um corrupto. É difícil, mesmo!!

Diante dessa tragédia social, fica difícil para um juiz condenar exemplarmente o sonegador, visto o magistrado ter plena consciência que de uma forma ou de outra o dinheiro não iria mesmo ser revertido em benefícios para a sociedade. Ou seja, o dinheiro retido no bolso do sonegador iria para o bolso do corrupto se o crime de sonegação não tivesse acontecido. Agora, imagine o tremendo pesar no peito de quem nunca sonegou ao assistir todos os dias na televisão uma infindável rodada de espetáculos escandalosos de corrupção que sempre, sempre terminam em pizza. Ou seja, aquele terno italiano do depoente da CPI foi comprado com o dinheiro que poderia ter sido utilizado para presentear o filho com um curso de inglês no exterior. Aquela mansão do político pilantra foi comprada com o dinheiro que faliu a empresa pagadora dos mais de 80 diferentes tipos de tributos. A plástica da supermodelo esposa do investigado fulano de tal foi paga com o dinheiro que faltou no posto de saúde. Imagine está mergulhado na pobreza por ter sido um cidadão exemplar enquanto o sonegador e o corrupto ostentam riqueza e depravação. Assim, a conclusão gritantemente óbvia é que a redução da sonegação só será possível com a redução da corrupção. A mesma investida implacável no combate à sonegação fiscal via SPED deveria ser acompanhada de igual empenho na efetivação de normas eficazes de combate à corrupção. As duas coisas são ambas as faces da mesma moeda.


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